terça-feira, 28 de abril de 2009

A ESPIRITUALIDADE LAICAL DAS NOSSAS ROMARIAS QUARESMAIS - Irmão Fernando Castro

Conferência proferida pelo Irmão Fernando Castro, no Dia do Romeiro celebrado a 26 de Abril na Paróquia de São Paulo / Ribeira Quente.

A ESPIRITUALIDADE LAICAL DAS NOSSAS ROMARIAS QUARESMAIS


Muito bom dia a todos.
Aqui, neste momento do Ano Paulino, e nesta pequena localidade piscatória, cuja igreja é dedicada ao Apóstolo São Paulo; aqui, neste grande dia de hoje, em que todos os fiéis católicos de Portugal transbordam de alegria pela canonização de um dos mais ilustres filhos da nossa pátria – São Nuno de Santa Maria, o Santo Condestável Nun`Álvares Pereira, como é conhecido – vimos encontrar-nos, nós irmãos romeiros e nossas famílias, a fim de celebrarmos o “Dia dos Romeiros”.
Quero agradecer o amável convite que me foi dirigido pelo Grupo Coordenador do Movimento de Romeiros de São Miguel, na pessoa do seu presidente e meu amigo Carlos Sousa Melo, para falar sobre o tema que me foi proposto, que tem por título “A espiritualidade laical das nossas romarias quaresmais”.
Por isso aqui estou, com fé, boa disposição e simplicidade, pronto para abordar esta temática, agradecendo desde já a vossa benevolência em escutar-me, o que admito não será fácil conforme podem talvez testemunhar alguns dos presentes.
Passando ao tema em questão, muita coisa boa tem sido dita, escrita e publicada sobre as romarias quaresmais que se realizam anualmente à volta desta Ilha do Arcanjo São Miguel.
Este fenómeno religioso, de riquíssimas tradições multisseculares, tem sido observado e compreendido sob diferentes ângulos e perspectivas, e isso de acordo com as diferentes sensibilidades daqueles que sobre ele se têm debruçado.
A este propósito, e como o tempo de que disponho é limitado, desejo aqui fazer apenas uma única referência que se impõe. Ou seja, uma alusão ao mais recente livro publicado sobre esta temática das romarias, que é da autoria do nosso Assistente Espiritual e irmão romeiro, Senhor Padre Agostinho Pinto.
De registar que o trabalho desenvolvido no seu livro, que tem por título
“Uma Singular Peregrinação Cristã. Romarias Quaresmais da Ilha de São Miguel – Açores”, serviu de base à sua dissertação de Mestrado em Teologia, com especialidade em Teologia espiritual, na Pontifícia Faculdade de Teologia Teresianum, em Roma, mestrado esse concluído acerca de dois anos atrás.
Confesso com humildade que, depois de ter folheado e lido com muita satisfação e interesse o seu excelente e exaustivo trabalho, no qual aborda primeiramente o tema mais geral e abrangente das peregrinações cristãs, sua origem, evolução e significado, para depois se debruçar concretamente na “realidade das [nossas] romarias quaresmais, como experiência de Igreja e experiência de Deus, a partir da sua origem, sua evolução e sua razão de ser”, como o autor refere na introdução ao seu livro, não sei do que venho agora aqui falar. Pois, sempre ouvi dizer que, quando o mestre fala, o discípulo o melhor que faz é estar calado. A minha sorte é que o Senhor Padre Agostinho fala depois de mim.
Pois bem:
Com o terço na mão e a Ave-Maria nos lábios, confiando em seus corações na misericórdia e bondade de Deus, os romeiros de São Miguel, na sua peregrinação vão rezando em igrejas e ermidas - «casinhas de Nossa Senhora» -, são movidos por uma fé simples e sincera, assimilada quiçá de um franciscanismo que marcou a cultura do povo destas ilhas dos Açores desde o início do seu povoamento. A influência que os humildes frades e freiras, filhos e filhas de São Francisco, o pobrezinho de Assis, tiveram na religiosidade, nos hábitos e costumes das nossas gentes não pode ser ignorado, pois é ainda hoje bem patente.
Na sua fé, os romeiros acreditam que Jesus, Maria e José os acompanham com a Sua celestial presença e protecção nesse fraterno e alegre caminhar, que é também o das Famílias cristãs, rumo à Casa do Pai.
Os romeiros, são católicos leigos comprometidos com a sua Igreja através da sua inserção na comunidade paroquial, por um lado, e, por outro lado, naturalmente integrados no seio das suas famílias, constituindo elas próprias as células bases da vida em sociedade.
Falar dos romeiros é comover-se à sua passagem pelas as ruas e veredas da nossa ilha; é recordar a sua oração e o seu modo peculiar de andar e de vestir; é lembrar os seus lindos cânticos e orações e o seu modo de viver e de sentir a fé; é evocar a alegria cristã contagiante que brota dos seus corações, por vezes angustiados e ressequidos pelas agruras da vida; é tornar presentes os quase cinco séculos de uma tradição religiosa que marcou de modo indelével a alma do nosso povo, a alma do povo micaelense. Sim, porque os romeiros ajudaram a moldar a alma do nosso povo, a cultura das nossas gentes.
Esta expressão - A Alma do Povo Micaelense – não é nossa. Ela foi utilizada como título de um livro publicado em 1927 por um ilustre sacerdote vila-franquense, Padre Ernesto Ferreira. Vale aqui a pena recordar uma passagem desse livro, que se refere aos romeiros, e que passo a citar:


“Grande do mundo, feliz do século, os pequenos e deserdados da fortuna não maldigas; deixa também passar, sem o sorriso afrontoso do desdém, os romeiros, que são livres e amam o ar dos campos como os canários e que não coram de manifestar as suas ideias e de exteriorizar os seus pensamentos com uma sinceridade sublime, deixa-os serem felizes por alguns dias, a eles que, vivendo sob o peso do trabalho, acham consolação em fazer ecoar por cerros e chãs as orações que, quando crianças, ouviram das bocas de suas saudosas mães. Não queiras desarreigar de seus corações a mimosa flor da fé; não queiras quebrar o vaso que encerra o perfume das tradições que receberam de seus maiores e que conservam como a mais preciosa herança.
Arrancar da alma popular a ideia do maravilhoso, o sentimento de religiosidade, é um crime nefando, porque é tirar-lhe toda a esperança de gozo e de felicidade.” (fim de citação)


Uma pequena reflexão sobre esta passagem permite-nos compreender um pouco da fé, da alegria e da felicidade que os nossos irmãos romeiros que nos precederam traziam nos seus corações. Numa altura em que a vida do dia a dia era bastante mais árdua e difícil do que a vida presente, ir de romeiro era garantir, segundo o Padre Ernesto Ferreira, a felicidade pelo menos por alguns dias, aquela felicidade interior que brota da crença e da fé e que os homens não podem dar. É uma alegria e felicidade sobrenatural, fruto de um contacto mais íntimo com Deus e com Sua Santa Mãe através da oração, da penitência e das dores, de uma vida sacramental mais intensa e ainda do exercício da fraternidade cristã.
Como não será difícil descortinar pontos de convergência e de contacto entre as palavras do Padre Ernesto Ferreira, escritas como já se disse em 1927, e as do querido e saudoso Papa João Paulo II, quando visitou Portugal pela primeira vez, em 1982?
Em tom de apelo, dirigiu-se então o Papa ao povo português, citamos:


“Sede leais convosco próprios, zelai a vossa herança de fé, de valores espirituais e de honestidade de vida, que recebestes dos vossos maiores, à luz e com as bênçãos de Maria Santíssima; é uma herança rica e boa. E quereis que vos ensine um «segredo» para a conservar? É simples e já não é segredo: «rezai muito; rezai o terço todos os dias».” (fim de citação)

Caros irmãos e irmãs, ao compararmos estes dois textos, um com o outro, não descortinaremos, porventura, alguma coisa em comum?
Não descobriremos aqui bem presente a Voz escondida do Espírito Santo que, pelas bocas de um humilde sacerdote micaelense e de um Papa que veio de uma terra distante, convida à oração devota a Nossa Senhora como meio privilegiado de manter vivo o dom precioso da fé e de conservar toda uma herança de valores espirituais e de honestidade de vida, que têm marcado a alma do nosso povo lusitano ao longo dos séculos e certamente também a alma do povo micaelense?
Sim, porque desde o século XVI o povo de São Miguel vem peregrinando de uma forma organizada, com o terço na mão, com fé e alegria ao ritmo da Ave-Maria, pelos caminhos e veredas da ilha do Arcanjo, em espírito de penitência, de acção de graças e de reparação. Iluminado pela força do Espírito Santo, ele tem sabido também honrar com respeito e devoção o Senhor Santo Cristo dos Milagres, cuja Imagem venerável se encontra presente há mais dois séculos no Convento de Nossa Senhora da Esperança, na cidade de Ponta Delgada.
Uma justa e sentida homenagem merecia aqui ser prestada a todos os nossos irmãos que nos precederam na fé e souberam, ao longo dos séculos, preservar intacta essa mesma fé até aos nossos dias. Eles não eram letrados, como muitos de nós o somos hoje em dia. A grande maioria não sabia sequer nem ler nem escrever. A Bíblia e os livros de piedade cristã praticamente não existiam. No entanto, a sua fé era rija e inabalável como a rocha da lava solidificada dos vulcões, que brotam de tempos a tempos das entranhas da nossa terra.
Qual Nun`Álvares Pereira eles souberam lutar, com a arma do terço na mão, em defesa da sua fé.
Afinal, qual o verdadeiro segredo dessa crença? Descobrir esse segredo maravilhoso é como descobrir um tesouro precioso e vender tudo o que se possui para o poder adquirir, segundo a conhecida parábola do Evangelho, pois é essa mesma fé que abre as portas ao Reino de Deus.
E em que consiste essa fé?
O apóstolo S. Paulo, na sua Carta aos Hebreus, ensina-nos que
“a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e uma demonstração das que não se vêem.” (Heb 11, 1). E acrescenta na mesma Carta: “Foi pela fé que Noé, devidamente avisado de coisas que ainda não se viam, e tomado por um piedoso temor, construiu uma arca para salvar a sua família; foi por ela que condenou o mundo e se tornou herdeiro da justiça que se obtém pela fé.” (Heb 11, 7). «rezai muito; rezai o terço todos os dias».”Eis aqui, irmãos e irmãs, que tendes a paciência e a caridade de me escutar o grande tesouro que trazemos connosco desde há séculos, e que dele desfrutamos de um modo mais intenso durante os nossos dias de romaria: o terço do rosário.
Sobre esta maravilhosa oração muito poderia e deveria ser dito. Como afirmou João Paulo II, na sua Carta Apostólica sobre o Rosário – Rosarium Virginis Mariae –,
“seria impossível citar a multidão sem conta de Santos que encontraram no Rosário um autêntico caminho de santificação.” Nessa Carta, João Paulo II cita vários santos, de entre os quais há um que nos apraz referir: São Luís Maria Grignion de Montfort. São Luís de Montfort foi, citamos o Papa, “autor de uma preciosa obra sobre o Rosário - O segredo maravilhoso do Santo Rosário para converter-se e salvar-se”.
Em meu modesto entender, caros irmãos romeiros que me escutais, é este «segredo» do terço do Rosário - pedido e recomendado pela Igreja em mais de 400 documentos, oração predilecta de muitos Papas [Leão XIII:<em>“O Rosário é a expressão mais acabada da piedade cristã, o melhor modo de rezar e o mais frutuoso para alcançar o Céu.”;<strong>João Paulo II: “O Rosário é a minha oração predilecta. Oração maravilhosa! Maravilhosa na simplicidade e na profundidade… Oração tão simples e tão rica! A todos exorto cordialmente que o rezem” ] e Santos [São João Bosco: “Todas as minhas obras e trabalhos têm como base duas coisas: a Missa e o Terço”; Beata Madre Teresa de Calcutá: “Agarremo-nos sempre ao nosso terço como a trepadeira se agarra à árvore, porque sem Nossa Senhora não poderemos manter-nos firmes.”],<strong> e também pedido insistentemente por Nossa Senhora de Fátima, em 13 de Outubro de 1917, [“Sou a Senhora do Rosário, que continuem sempre a rezar o terço todos os dias”] – é este «segredo» do rosário, dizia, que constitui o fundamento e o cerne da nossa espiritualidade, que nos levará à nossa santificação e salvação.
Era tão grande a confiança que São Bernardo de Claraval, contemporâneo e parente de nosso primeiro rei D. Afonso Henriques, depositava em Nossa Senhora que, sobre o nome de Maria, e para nossa consolação, nos deixou escrito o seguinte:

“Nos perigos, nas angústias e nas dúvidas, pensai em Maria, invocai Maria. Jamais saia Maria dos vossos lábios, jamais fique Maria longe do vosso coração; e para obterdes o sufrágio das suas preces, não olvideis o exemplo da sua vida. Seguindo-A, não vos transviareis; invocando-A, não desesperareis; contemplando-A, não errareis. Por Ela amparados, jamais caireis; sob a sua protecção, nada vos causará temor; guiados por Ela, nunca vos cansareis; se Ela vos for propícia, chegareis por certo ao porto”. Que aos milhares de Ave-Marias, cantadas e rezadas durante as nossas romarias, nos esforcemos por juntar mais cinquenta, a cada dia que passa, se possível rezadas no seio das nossas famílias, para que os nossos celestiais Irmãos Romeiros – Jesus, Maria e José – que nos acompanham, como já se disse, durante a semana da romaria (assim o cremos!), possam também acompanhar-nos e proteger-nos com as suas graças e bênçãos celestes, a nós e às nossas famílias, para que um dia nos possamos todos encontrar no Reino eterno de Deus, a fim de gozar para todo o sempre o Céu e a sua infinita Beleza que, como nos diz São Paulo, “nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem jamais passou pelo pensamento do homem, o que Deus preparou para aqueles que O amam.” (1 Cor 2, 9).
Gostaria ainda, antes de terminar esta minha alocução de recordar o tesouro dos tesouros da nossa fé: o da Santa Missa com a Presença real e verdadeira de Jesus no Santíssimo Sacramento da Eucaristia, ao Qual Maria está profunda e intimamente ligada.
Bendito, louvado, adorado e desagravado seja o Santíssimo Sacramento da Eucaristia; Fruto do ventre sagrado da Virgem puríssima Santa Maria!gada.



Ribeira Quente, 26 de Abril de 2009.


Irmão Fernando Castro

2 comentários:

Romeiros do S.N.S. Conceição disse...

Excelente artigo do Irmão Fernando Castro, o qual tivemos a honra de o ter tido na nossa 1ª romaria

Anónimo disse...

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  NOTA DE FALECIMENTO É com muito pesar que informamos sobre a morte do nosso querido Irmão Fernando Sales Frias ou Irmão Salins como carinh...